Introdução
O aborto é descrito como um problema de saúde pública e, apesar dos avanços tecnológicos e culturais ainda é visto envolto em tabus, preconceitos e descriminações caracterizando-o como uma questão polêmica desde a antiguidade.1 Comumente ouvimos falar de casos em nosso meio familiar, círculos de amizades e vizinhos, com envolvimento de aspectos econômicos, educacionais e religiosos.1,2 A legislação brasileira considera o aborto como um ato criminoso, mas, ao mesmo tempo possibilitando a não punição em alguns casos específicos, ou seja, quando a gestação coloca em risco a vida da mãe, em gravidez em casos de anencefalia e quando a mulher é vítima de violência sexual.3-6 Os valores cristãos reafirmados pela igreja católica, tem como argumento de defesa à vida como sendo um dom dado por Deus, para justificar sua posição contrária a legalização do aborto, e a valorização da mulher que ao ser violada deve sacrificar-se e gerar o fruto dessa violação, tornando assim o aborto um crime contra o feto.2,7,8 Mediante uma sociedade que condena este ato como criminoso e inadmissível a mulher é pré-julgada culpada; tendo ela provocado ou não o aborto, sentindo-se constrangida, em procurar assistência e declarar seus abortamentos, dificultando assim a notificação do fenômeno.2,4,8,9 Por serem muitas vezes realizados sob condições precárias sem condições sanitárias e por profissionais despreparados, resultam em seqüelas à mulher ou até mesmo causam a morte.9 Segundo o Ministério da Saúde (MS), foram realizados em 2005 um total de 1.054.243 de abortos no Brasil.8,9
Em nossa trajetória como graduandas de enfermagem tivemos a oportunidade de estarmos observando um número maior de abortos espontâneos em mulheres de 20 a 35 anos. Embasados em conhecimentos teóricos e práticas no ensino clínico, despertou-nos o interesse de levantarmos quais os fatores de risco que estão associados a este tipo de aborto.
Encontramos na literatura científica a definição de aborto sendo a interrupção ou a expulsão do embrião ou feto, com menos de 500 gramas ou idade gestacional inferior a vinte semanas,
existindo ou não a evidência de vida sem interferência deliberada, seja ele induzido ou espontâneo.(1-3,9) Existem várias classificações de aborto: provocado (eletivo): é quando a mulher ou outra pessoa executa alguma ação proporcionando a eliminação do concepto, recorrente (habitual): é quando a mulher tem de dois ou mais episódios de abortamentos seqüenciais, e o espontâneo: aquele que ocorre naturalmente sem interferências deliberadas.(10,11) A fisiopatologia do aborto espontâneo, foco de nossa pesquisa, é caracterizada pela ocorrência de alteração necrótica do tecido adjacente e sangramento da decídua basal, com a separação do ovo, embrião ou feto, estimulando a contração uterina resultando na expulsão do produto da concepção, diagnosticado pela presença de dilatação cervical ampla, com projeção do conteúdo.(10) Podem ser observados sintomas exacerbados de dor e sangramento, com ou sem a presença de coágulos.(10) Podendo ocorrer de várias maneiras de acordo com a sua natureza: ameaça de aborto, aborto completo e incompleto, associados a fatores anatômicos endócrinos, genéticos infecciosos, imunológicos e fatores extrínsecos.(9,11-13) Diante dessas ocorrências, estima-se que a taxa de perdas precoces entre as gestações clinicamente reconhecidas estejam entre 12% e 15%, afetando cerca de 3% da população em idade reprodutiva.(9) Tendo o risco da próxima gestação progredir em perdas de forma sucessiva quando comparados a casos de um ou dois abortos, com probabilidade de um terceiro ocorrer entre 17% a 35% e o quarto entre 25% a 46%. (9)
O Enfermeiro frente a este tipo de situação exerce um papel importante, sendo assistência à mulher vítima de um aborto que além do quadro físico apresenta uma fragilidade emocional neste momento, requerendo uma assistência não somente técnica, mas também voltada ao psicológico. Devido aos sentimentos de culpa é comum estas mulheres apresentarem episódios depressivos podendo agravar seu quadro clínico. Os enfermeiros são profissionais qualificados e devem ter como conduta, o bom senso, centrando os cuidados de forma holística integral abrangendo os aspectos fisiológicos e psicológicos, proporcionando uma assistência humanizada, individualizada, desvinculada de pré-julgamentos, com oportunidades de diálogos onde a mulher expresse seu sentimento de perda. (14)
Diante do pressuposto objetivamos através deste estudo, analisar os principais fatores de riscos associados ao aborto espontâneo a fim de atualizarmos e aprofundarmos conhecimentos sobre a assistência integral à mulher, seja em benefício à promoção da saúde na gestação diminuindo incidências deste acontecimento, ou a recuperação durante a convalescença, contribuindo desta forma para uma diminuição da mortalidade materna advinda de complicações posteriores ao aborto espontâneo. (10,14)
Objetivo
Identificar os principais fatores associados ao Aborto Espontâneo em mulheres na faixa etária de 20 a 35 anos.
Metodologia
Tratou-se de uma pesquisa descritiva com abordagem quantitativa realizada na Clínica Cirúrgica de um Hospital Geral localizado no município de São Paulo. Os procedimentos éticos da pesquisa em saúde foram considerados, o projeto foi submetido à aprovação do hospital onde foi realizado o estudo e, posteriormente, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da mesma instituição. Os sujeitos desta pesquisa foram 11 mulheres com história de aborto espontâneo, com idade gestacional de até 22 semanas, de 20 a 35 anos, independentes do estado civil, religião ou raça, cor e escolaridade, que aceitaram participar do estudo. A pesquisa ocorreu no período de janeiro a março de 2009 . Foram apresentados os objetivos da pesquisa e a garantia do anonimato com base na resolução 196/96. As interessadas em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento e a preencheram uma ficha de identificação, que serviram para caracterização dos sujeitos.
Foi utilizado um questionário pré estruturado contendo 10 (dez) questões fechadas, sendo 4 questões de identificação pessoal e 9 (nove) relacionadas a fatores associados ao aborto. A coleta de dados foi realizada pelas próprias pesquisadoras.
Resultados e Discussões
Este estudo procurou identificar,os inúmeros fatores que desencadeiam e que estão envolvidos direta ou indiretamente, na situação de abortamento espontâneo. Sendo alguns bastante particulares, relacionados às condições sócio-econômicas, a história reprodutiva, à exposição ambiental e ocupação da mulher.
Observou-se maior concentração de mulheres com idade de 30 a 35 anos (64%), estando de acordo com os dados encontrados nas referencias bibliográficas. Tendo em vista que a grande maioria das mulheres dão preferências a sua formação e realização profissional, deixando em segundo plano a questão da maternidade, enfrentando os problemas relacionados à fertilização 1 .
Quanto ao estado civil, obtivemos os seguintes dados: 64% eram casadas; 27% eram solteiras e 9% em união consensual. O que, nos deu um resultado relevante, pois de acordo com as referências bibliográficas há uma maior incidência em mulheres solteiras.
No que diz respeito à escolaridade houve um significativo resultado, 46% das pacientes já possuíam ensino médio completo, 45% superior e 9% 1ºgrau completo. Dessa maneira, notou-se que boa parte das mulheres, é instruída e tem conhecimento sobre o tema.
De acordo, com as posições sócio-econômicas das pacientes estudadas identificamos renda familiar entre 3 e 4 salários mínimos em 55% das entrevistadas, mais de 5 salários em 36% e 1 e 2 salários em 9%. Nota-se que a mulher passou a fazer parte da renda familiar de forma incisiva.
Com relação ao número de gestações anteriores, salienta-se que 46% eram primigestas em condições de abortamento espontâneo, experiências muitas vezes frustrantes e determinantes na vida dessas mulheres, onde há a necessidade de tratamentos para amenizar esse sofrimento e sentimento de perda, impotência e culpa.
Quando se trata da observação da idade gestacional por vigencia do aborto, a população estudada apresentou uma média de 46% com idade gestacional entre 10 e 15 semanas de gestação, 27% entre 5 e 9 semanas e 27% entre 16 e 20 semanas. Ou seja, houve predominancia do evento no primeiro trimestre gestacional.
Uma constatação marcante fica por conta do aumento do número de mulheres primigestas (82%). Constatou-se que somente 18% delas, referiu ter pelos menos uma gestação anterior.
Identificamos um percentual de 9% de mulheres portadoras do Diabetes Gestacional e 91% nunca teve ou ainda desconheciam a doença. Essa disfunção pode ser observada em mulheres com deficiência parcial ou completa na função das Ilhotas de Langerhans em que ocorre a intolerância a glicose, carboidratos e proteínas.
Este dado nos leva a salientar a importância de uma efetiva política de prevenção no âmbito da saúde da mulher, tratando-se de uma patologia freqüente na gravidez, que pode ser considerado um fator determinante para ocorrência de aborto espontâneo.
No geral 9% da amostra era tabagista , 27% consumiam bebida alcoólica, 18% apresentavam diagnóstico de Infecção do Trato Urinário e nenhuma apresentava diagnóstico de Hipertensão Arterial Sistêmica. Destas mulheres somente 36% disseram ter planejado a gravidez, junto com o marido, estudando as condições financeiras e psicológicas.
Conclusões
Esse estudo foi realizado em uma população fechada composta por uma amostra de 11 mulheres em condições de abortamento espontâneo, não expressando a realidade brasileira. As características predominantes foram: maiores de 35 anos, casadas, com ensino médio completo, renda familiar entre 3 e 4 salários mínimos, primigestas,gravidez não planejada, com o evento do aborto ocorrido no 1 trimestregestacional.
Referências
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